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Quando meus desejos estão diante de Deus

O exercício espiritual que realizamos como agostinianos, religiosos e leigos se encontra no pressuposto de que Deus vive no mais íntimo de cada um de nós e que, por um esforço pessoal, podemos encontrá-Lo e deixáLo brilhar na realidade de nossa vida cotidiana. Deus é uma força criadora que permanece em sua criatura, potencializando que ela possa exercer o sentimento mais fundamental – e o mais contraditório – dos seres humanos: o desejo.

Ao lermos as Confissões de Santo Agostinho, o desejo pode ser uma das chaves de leitura de toda essa bela herança espiritual deixada por nosso Pai espiritual. Para esse homem de Hipona, o desejo desordenado o afastou da bela verdade manifesta em Deus na humanidade. Ao voltar para si mesmo, percebe que o seu desejo deveria ser orientado a Deus, princípio e fim de todas as coisas que existem em sua vida. “Senhor, ponho diante de ti meu coração, minha memória e meus desejos, tu que me guias pelos caminhos da providência já me lançava em meu rosto os meus erros, a fim de que eu os enxergasse e os detestasse.” Confissões de Santo Agostinho, Livro V, 11.

O desejo e a conversão se encontram em sintonia no caminho que leva à construção de uma conversão em Deus. Nesse processo, todos somos convidados a passar por um reconhecimento dos erros à exaustão para que, arrependidos pelos nossos atos e pensamentos, possamos ser capazes de orientar o nosso desejo a Deus e, assim, darmos sentido ao cumprimento da vontade de Deus no meio da humanidade.

Nesse processo, Deus se utiliza de sentimentos humanos para que possamos nos voltar para Ele. A inquietude é uma dessas ferramentas que Deus permite que nós tenhamos para que, corretamente direcionados a Deus, possamos encontrá-Lo como premissa importante para o nosso crescimento pessoal. Como dizem as Confissões de Santo Agostinho, no Livro VII, 12: “Com um aguilhão secreto provocavas em mim a inquietude, para que eu me mantivesse insatisfeito, até que te tornasses uma certeza ao meu olhar interior”. Deus, em sua lógica da misericórdia, permite que passemos por algumas situações em nossas vidas que são próprias da fragilidade humana. 

Ou seja, a realidade cotidiana entre os nossos pares pode nos angustiar ou nos fazer sofrer com determinadas circunstâncias que atingem os nossos desejos pessoais. Contudo, a presença de Deus é a garantia de que não vamos sucumbir frente a cada um desses movimentos. “Senhor, conduz os pequenos na justiça e ensina os seus caminhos aos mansos, já que conhece bem a nossa miséria e a nossa dor, e nos perdoa todos os pecados.” Confissões de Santo Agostinho, Livro VII, 14. O desejo e a inquietude são relações importantes a serem estabelecidas como parte do nosso processo de conversão, pessoal e comunitária, que nos leve a uma vivência plena da graça divina dentro de uma realidade social que clama uma postura de misericórdia, justiça e solidariedade.

“Em tua presença, Senhor, estão todos os meus anseios.” Confissões de Santo Agostinho Livro VII, 11. Quando os nossos desejos se encontram na presença de Deus, as nossas inquietudes podem se transformar em caminhos de mudança importante para que possamos nos constituir como seres humanos engajados com o pressuposto de que o exercício espiritual agostiniano, por mais que seja uma trilha que nos leva à interioridade, tem o seu reflexo, e concretude, nas relações interpessoais estabelecidas neste mundo.

Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA
freiarthur@ymail.com

20 jun
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