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A vida comum como construção pessoal e coletiva

A vida religiosa se apresenta como um modelo de vida escolhido por homens e mulheres ao longo da história como possibilidade de ser e estar no mundo. Diferente do que o senso comum possa determinar a vida religiosa não deve ser entendida como uma fuga do mundo ou das frustrações pessoais, mas como uma escolha consciente de viver a realidade concreta em forma específi ca: ser capaz de estar no mundo dedicando-se, na presença de Deus, a vida aos irmãos e as suas necessidades espirituais e temporais.

Agostinho de Hipona nos recorda que esta vida religiosa é uma construção e deve ser organizada a partir de um processo em duas vias: a interioridade e a vida comum. Estes dois espaços exigem daquele que se dispõe a este estilo de vida uma dedicação ao desejo de Deus e a caridade como meta de vida, uma vez que “Deus louva os irmãos que vivem em concórdia e na caridade assim como os irmãos louvam a Deus com seu estilo de vida.” (Santo Agostinho in Comentário ao Salmos 132, 12).

No começo do caminhar da vida religiosa, o conhecimento interior é primordial para os que estão fazendo a experiência da vida comum. Santo Agostinho mesmo nos alerta que “Se um não conhecem a si mesmo aqueles que desejam entrar na vida comum, como será difícil que os demais o conheçam!” (Santo Agostinho in Comentário ao Salmo 99, 10) Ou seja, ao entrarmos na vida religiosa se faz necessário o desejo de um autoconhecimento que promova no aspirante o desejo de descobrir as suas qualidades e suas potencialidades, como também, as suas fraquezas e necessidades emocionais, intelectuais e espirituais para que possa, não somente convertê-las, mas aceitá-las como parte da constituição do seu ser humano. Somente desta forma, poderemos nos apresentar aos demais como realmente somos. Assim seremos capazes de construir vínculos verdadeiros de empatia e de amizade com todos aqueles que nos relacionamos dentro e fora de nossas comunidades religiosas.

Outro aspecto importante, intuído por Santo Agostinho, é que as comunidades religiosas são locais da construção da santidade e, por isto, não estão livres das desavenças e dos problemas comuns do mundo. “Uma das causas dos erros para os homens que abraçam a vida religiosa é a louvarem como se não houvesse difi culdade nenhuma.” (Santo Agostinho in Carta 75, 18). O reconhecimento da vida religiosa como espaço de construção pessoal e comunitária de um estilo de vida é importante para todo aquele que deseja participar dela entenda os seus limites e suas possibilidades de desenvolvimento. Nela encontraremos pessoas com um venerável caminho e testemunho, mas que continuamente são desafi ados a permanecer nesta seara, enfrentando todos os tipos de difi culdades emocionais para continuarem fi rmes no propósito de comunhão com Deus e os irmãos. Não somos seres isolados do mundo e de sua cultura. Somos seres históricos e sociais, portanto a vida religiosa participa ativamente deste processo e se constrói a partir desta realidade. É sobre a esperança de continuar o processo construção pessoal e comunitária que investimos na vida religiosa, pois como o próprio Agostinho fala “ainda que verdadeiramente me entristeça as defi ciências da vida comum, me consolam, sobretudo, as suas muitas virtudes.” (Santo Agostinho in Carta 78, 9).

“Alimenta-me a esperança de que Tu, que me inspirou a fazer as promessas, me ajudarás em cumpri-las.” (Santo Agostinho in comentário ao Salmo 132, 13). Este deve ser o sentimento que deve nutrir todo aquele que se coloca em uma comunidade religiosa. A vida comum com o próximo é uma construção pessoal e coletiva. Na medida em que vamos nos descobrindo, em nossas potencialidades e limitações, nos abrimos aos irmãos de nossas comunidades. Assim nos tornamos empáticos ao nosso próximo e solidários com as necessidades socio-históricas da humanidade. É a partir deste movimento que verdadeiramente sentiremos a doçura da caridade que faz os irmãos viverem unidos. (Cf. salmo 132.)

Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA. 

28 jul
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