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Encarnar-se com Deus

O final do ano se aproxima e a vida novamente se renova como oportunidade de transformação para todos nós. Em um ano de muitas adversidades, acreditamos na verdadeira força humanizadora de Deus na figura de um menino deitado na manjedoura. E tudo isso resultou de uma decisão de uma mulher. Uma mulher que foi capaz de olhar para a sua vida e dizer sim a um projeto totalmente fora de seus planos. Ela, cedendo os seus próprios impulsos à vontade do Pai, cumulou a terra de graça e fez com que toda a humanidade se rejubilasse com a presença do próprio Deus feito carne no meio de nós.

Santo Agostinho de Hipona deixa claro a sua satisfação em ver em Maria, o meio concreto pelo qual Deus, Todo-Poderoso, assume uma natureza frágil para resgatar toda a criação através do amor. “Em Cristo, fez-se homem quem fez o homem; nasceu de uma Mãe que Ele criou; foi conduzido por mãos que Ele mesmo formou e nutriu-se de seios que Ele mesmo prodigalizou.” Sermão 188, 2.

Resgate. É incrível pensarmos na condição assumida por Deus para resgatar o gênero humano. O amor de Deus pela sua criação o faz um ser criativo. Ele se reinventa no ventre humano. E se encarna, habitando no meio de nós. Ele se alimenta daquilo que Ele mesmo criou, para significar a vida humana. E ao dignificar a vida humana entrega em nossas mãos a continuidade do resgate de tantas outras vidas. Vidas que vemos abandonadas dormindo nas calçadas das grandes cidades, esquecidas nas mortes fúteis pela ambição dos bens materiais, nas enormes filas em busca de um emprego para sua sobrevivência, negada nos atos discriminatórios de raças, credos, gêneros e orientações de vida e ferida pela ignorância de tantos que não conhecem a tolerância como espaço de encontro das diferenças próprias do seres humanos.

Nesse processo, nos parece formidável percebermos a importância que o simples alcança no processo salvífico. O simples em forma de mulher. Maria reflete a disponibilidade humana diante do transcendente e a capacidade que Deus pôs em cada um de nós de assumirmos o projeto de libertação presente na construção do Reino de Deus. Através do seu exemplo todos nós nos tornamos sinais visíveis da força humana que encontra na esperança de um mundo melhor, o motivo para seguir caminhando e lutando a favor da justiça de uma maioria anônima que geme e sofre a falta de respeito humano.  Anônima como a Menina de Nazaré também o foi, mas que guardava em seu coração, a beleza e o sonho de ver a felicidade se concretizar na presença de seu filho, o Cristo Messias.

Como nos recorda o Sermão 184,1 de Santo Agostinho “uma mulher nos trouxe a vida” e continua a sustentá-la todas as vezes que estamos ao lado da luta pela liberdade e o amor. Maria se faz presença doce e terna na certeza de que somos acolhidos nos braços do Pai independente de nossa condição. A memória do natal nos faz compreender por que Deus quis ter uma mãe e receber o amor materno ao se encarnar no meio de nós. Basta querermos também encarnamos com Ele, por um mundo melhor.

Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA

5 dez
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