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Santa Mônica e o acompanhamento vocacional - Algumas provocações iluminadoras

Santa Mônica é popularmente conhecida como a mulher das lágrimas, derramadas ao longo de vários anos, pela conversão do esposo e do filho, Agostinho. É comum a vermos representada segurando um lenço nas mãos. Da sua vida conhecemos o que nos relatou Santo Agostinho, sobretudo em suas Confissões. Nasceu em Tagaste, cidade norte-africana, na atual Argélia, por volta do ano 331. A educação humana e, talvez também a cristã, recebeu de uma antiga escrava da família, desenvolvendo marcas firmes de caráter. Supõe-se que tenha recebido o batismo bem cedo, contraindo, quando chegou à idade núbil e conforme a escolha se seus pais, matrimônio com o pagão Patrício. Teve dois filhos, Agostinho e Navígio, e uma filha, Perpétua. Viúva aos 38 anos de idade, morreu anos mais tarde, em 387, em Óstia, um porto marítimo de Roma, antes de retornar com o filho convertido para a África.

Sem dúvida, dada a relação de Mônica com Agostinho transparecida em seus escritos, há quem a considere como uma mãe superprotetora ou encontre nessa relação vestígios de certo complexo de Édipo. Não obstante, interessa-nos perceber na vida dessa cristã fervorosa do século IV, momentos e atitudes que possam provocar e iluminar a nós, animadores e animadoras vocacionais, em nossa missão de acompanhar as juventudes, inquietas como o jovem Agostinho, na busca por um lugar no mundo, pela Felicidade.

Santo Agostinho, no livro III das Confissões, ao contar-nos sobre seu encontro com a obra Hortênsio, de Cícero, encontro que despertou nele o amor à sabedoria, ressalva: “Mas, no meio de tanto fervor, havia uma circunstância que me mortificava: a ausência de Cristo no livro. Este nome, ‘por tua misericórdia, Senhor’, o nome do meu Salvador, do teu Filho, meu coração, o havia sorvido, com o leite materno quando ainda pequenino, e o conservava no meu íntimo.” (Confissões III,4,8). É sabido que durante a amamentação a mãe comunica não só a riqueza nutritiva e salutar do leite, mas também o seu próprio ser... o leite é um pouco a mãe, seus sentimentos, suas experiências, sua vida. Não foi diferente com Mônica que, como boa mãe, soube nutrir seu pequeno Augusto não só com o alimento físico, mas também com o alimento espiritual. Com sabedoria insistente, comunicou ao filho a experiência que ela própria fazia, plantou em seu coração o amor à Cristo, ao seu Evangelho. Não seria essa também uma tarefa nossa enquanto animadores e animadoras vocacionais? Que alimento temos oferecido às nossas juventudes? Será que temos feito uma experiência autêntica com Senhor que, ao ser comunicada, é tão intensa, tão verdadeira, tão convincente, a ponto de manter-se conservada no íntimo dos corações?

Outro episódio da vida de Santa Mônica a nos provocar trata-se de um sonho que ela teve com o filho. Assim nos relata Agostinho: “Nesse sonho, viu-se de pé sobre uma prancha de madeira, e um jovem luminoso e alegre lhe foi sorridente ao encontro, enquanto ela estava triste e amargurada. Perguntou-lhes os motivos da tristeza e das lágrimas cotidianas, não por curiosidade, mas para instruí-la, como acontece muitas vezes. E respondendo ela que chorava a minha perdição, ele a confortou, aconselhando-lhe que prestasse atenção e visse que onde ela se encontrava aí estava também eu.” (Confissões III,11,19). Mônica manteve-se firme ao longo de toda sua vida, jamais desistindo do acompanhamento, por que não vocacional, de seu filho. E embora Agostinho ousasse interpretar esse sonho a seu favor, afirmando que a mãe seria como ele, naquele momento maniqueu, Mônica firmemente insistiu que pelo sonho foi-lhe dito “onde estás, aí estará também ele.” Será que não nos falta essa persistência de Mônica em nossos acompanhamentos vocacionais? Será que não nos faltam lágrimas fecundas como as dessa mãe? Será que deixamos nos envolver e comprometer o suficiente com nossas juventudes?

Por fim, não poderíamos deixar passar, talvez uma das cenas mais bonitas da vida de Mônica. Diz-nos Agostinho: “Ao aproximar-se o dia de sua morte – dia que só tu conhecias e nós ignorávamos – sucedeu, creio que por tua vontade e de modo misterioso como costumas fazer, que ela e eu nos encontrássemos sozinhos, apoiados a uma janela, cuja vista dava para o jardim interno da casa onde morávamos, em Óstia Tiberina. (...) Elevando-nos com o mais ardente amor ao próprio Bem, percorremos gradualmente todas as coisas corporais até o céu (...). E subíamos ainda mais ao interior de nós mesmos, meditando, celebrando e admirando as suas obras. E chegamos ao íntimo de nossas almas. Indo além, atingimos a região da inesgotável abundância, (...) onde a vida é a própria Sabedoria, pela qual foram criadas todas as coisas que existiram, existem e hão de existir, pois a Sabedoria mesma não é criada (...). Enquanto assim falávamos, ávidos de alcançar a Sabedoria, chegamos apenas a tocá-la num supremo ímpeto do nosso coração (...).” (Confissões IX,10,23-24). O êxtase de Óstia, como ficou conhecido este episódio, encerra, para Mônica, o árduo acompanhamento vocacional realizado com seu filho. Convertido à fé católica, já convicto do seu lugar no mundo, Agostinho está agora pronto para seguir respondendo a sua vocação. A união dos dois corações neste instante de contemplação de si mesmos e de Deus, confirma-lhes que o discernimento foi bem feito. Não carecem nossos acompanhamentos de experiências assim? Não de meros arroubamentos alienados, mas de momentos profundos que chamamos de experiências de Deus, que são capazes de mudar os rumos da vida da gente ou mesmo nos confirmar no caminho trilhado até ali? Será que o itinerário vocacional que temos proposto às nossas juventudes tem lhes possibilitado esse movimento de fora para dentro e de dentro para o alto?

Que a Mulher de tantas lágrimas continue a inspirar nossa missão de animadores e animadoras vocacionais, fazendo-nos nunca desistir daqueles que o Senhor nos confiou!

 

Fr. Tailer Douglas Ferreira, OSA
Secretariado de Animação Vocacional e Juvenil e membro da Equipe de Formação da Província. 
Contato: frei.tailer@sicbh.com.br

Artigo publicado na Revista Rogate - Animação Vocacional - www.rogate.org.br

 

REFERÊNCIAS:

FALBO, Giovanni. Santa Mônica: modelo de vida familiar. São Paulo: Paulinas, 2009.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. 23. ed. São Paulo: Paulus, 2011. 
VIZCAÍNO, Pio de Luis. Santa Mônica: uma mãe que se converte. FABRA: Petrópolis, 2003.

 

 

 

 

 

11 ago
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