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JUVENTUDES: MEDOS, ESPERANÇAS E CAMINHOS...

Juventudes e medos

Segundo o Estatuto da Juventude[1] e para efeito de políticas públicas no Brasil, considera-se jovem adolescente quem tem de 15 a 17 anos, jovem quem tem de 18 a 24 anos e jovem adulto quem tem de 25 a 29 anos. O ano de 2005 foi considerado um ano muito estratégico para a juventude, foi o ano em que se consolidaram o Conselho Nacional da Juventude, a Secretaria Nacional da Juventude e o Programa Nacional de Inclusão do Jovem, diga-se de passagem, a maior política pública de integração educacional, laboral, cultural das juventudes brasileiras.

Apesar de todos esses avanços na política nacional de juventude, os números da violência e do extermínio de jovens permaneceram avançando, especialmente quando se trata dos jovens negros, empobrecidos, moradores das periferias. Em 2018, foram 30.873 jovens mortos por homicídio, isso implica em 85 jovens exterminados por dia. E vale ressaltar que 75,7% desse número corresponde aos jovens negros, tratando-se desse recorte, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado em nosso Brasil[2].

Regina Novaes[3] aponta três medos da juventude brasileira: o medo de morrer por causa da violência, o medo de sobrar por causa do desemprego e o medo de ficar desconectado por causa do avanço tecnológico. O primeiro medo apontado por Novaes segue sendo o maior medo da juventude brasileira.

Os outros dois medos ressaltados por ela ganharam maior amplitude nesses tempos pandêmicos. Com relação ao medo de sobrar por conta do desemprego, dados da pesquisa do Conselho Nacional da Juventude revelam que 29% pararam de procurar emprego, 73% continuaram trabalhando e 27% pararam de trabalhar, 40% dos jovens entrevistados perderam a renda nessa pandemia[4].

A Fundação Perseu Abramo ao ler os dados dessa pesquisa, afirma que “Não será possível recuperar a economia nacional pós pandemia sem recuperar a economia da juventude e seus recortes interseccionais. Sem recuperar a juventude preta em especial”.

Ainda segundo essa pesquisa, a higiene pessoal é a única coisa que os jovens afirmam ter melhorado entre eles, as demais questões levantadas todas são apontadas como pioradas: relacionamento dentro de casa, alimentação, sono, atividades de saúde e lazer, condicionamento físico, estado emocional e acesso a recursos financeiros. A Fundação Perseu Abramo ressalta que “precisamos ajudar a cuidar da “cabeça” de sete em cada dez jovens que estão com alteração psicológica neste momento e apontar soluções econômicas e financeiras para seis em cada dez jovens brasileiros”.

O terceiro medo que Regina Novaes salienta e que também se ampliou muito nessa pandemia é o medo de ficar desconectado por conta do avanço tecnológico. E não há quem diga que o lugar da virtualidade ganhou grandes proporções nesse período, mas não são todos os jovens que estão de fato conectados. Tem uma parte da pesquisa que deve nos alertar nesse sentido: A ansiedade acomete 62% dos jovens, 3,6 em cada 10 jovens sentem solidão, 6 em cada 10 jovens estão infelizes, 4 em cada 10 jovens estão assustados, 5 em cada 10 jovens se sentem impotentes, 5 em cada 10 jovens estão cansados, 4 em cada 10 jovens brancos estão pessimistas e 6 em cada 10 jovens negros estão pessimistas.

A FPA faz uma reflexão interessante: “Num país marcado pelo racismo estrutural em que as diferenças de cor da pele geram mais desigualdades, a juventude negra não sente todo o impacto do isolamento social. Primeiro não sentem porque as vidas deles continuam sendo quase que como era antes. As dores se agudizam mais, mas não deixam de serem dores. Não se trata da substituição de uma vida de gozo por uma vida de privações. É somente a agudização das privações, um NÃO superlativo... O que é não ter agora para quem nuca teve? Este é o debate”.

Nas conclusões da pesquisa, há uma reflexão muito importante: Os jovens se interessam pelo cuidado para a sobrevivência e o tratamento dos medos. Cuidar dos jovens como seres holísticos deve ser um princípio da educação (e acrescentamos da evangelização). Ensinar a controlar e planejar o tempo é o que metade dos jovens pesquisados pedem e seis em cada dez jovens pedem formação para o controle das emoções. 

Juventudes e esperanças

O documento “O Tempo da Esperança”,[5] embora apresente elementos para a renovação da Vida Religiosa Agostiniana após o coronavírus, extrapola seu primeiro destinatário e oferece, também a nós, Família Agostiniana como um todo, alguns desafios-luzes muito interessantes nesta encruzilhada em que estamos. Três deles ecoam a essencialidade e atualidade do nosso carisma: interioridade, vida comum e apostolado. 

Renovar a vida espiritual, o centro de nossa vida é um só e é Cristo, é preciso recordar que toda renovação exterior vem da conversão interior e não ao revés. Interioridade e verdade, apenas conceitos? Por isso, a primeira urgência é a de recuperar o cultivo da vida interior e de uma sadia vivência espiritual.  O tempo das igrejas vazias, o tempo do confinamento e as dificuldades vividas produziram um evidente impulso para a oração, que para Santo Agostinho é um diálogo de amor que brota do coração, oração é uma conversa. Vale a gente se perguntar: Temos rezado? Como?

Regenerar a vida comunitária, espaços de encontro. O documento alerta que corremos o perigo de limitar-nos a fazer de Santo Agostinho uma pedreira de citações ou um nome constantemente repetido, mas com escassa influência em nossas decisões e escolhas. A vida comunitária é um conceito forte e sinalizador da identidade agostiniana; está para além da mera coexistência, pauta-se na comunhão. Nesse sentido, há que cuidar sobretudo e antes de tudo das opções pessoais e comunitárias numa atitude constante de revisão e atualização. Que opções, pessoais e comunitárias, temos feito?

Repensar a solidariedade, a opção preferencial pelos pobres, a luta contra a pobreza estende-se à construção de uma sociedade melhor e mais justa. A pandemia acentuou o efeito devastador da desigualdade social, a pobreza mora ao lado, mas às vezes não a vemos ou não queremos vê-la, ou melhor, não queremos ser interpelados por ela. Ademais, aecologia integraléoutra face importantíssima que nos questiona quanto ao nosso ser nessa Casa Comum. Nosso apostolado tem tocado a carne ferida do irmão, da natureza?

Outros dois aspectos foram refletidos pelo documento e também nos desafiam-iluminam. Primeiro, a utilização das redes sociais e das novas tecnologias em nosso apostolado. Este novo tempo nos exige criatividade apostólica ao transmitir o Evangelho e a espiritualidade agostiniana usando a linguagem e as ferramentas da nova cultura da comunicação. Não abordar o uso das novas tecnologias significará ficar “desconectado”, perder efetividade apostólica. Segundo, a desclericalização da Igreja. O tempo do confinamento favoreceu um aprofundamento da nossa eclesialidade. Viu-se com clareza, na prática, que Igreja somos todos, não somente a hierarquia, e que, toda resposta aos desafios resultantes da pandemia, sem dúvida alguma, deverá ser comunitária.

A espiritualidade agostiniana, cristocêntrica e eclesial, é comunicadora de esperança e de entusiasmo para o futuro. Provoca-nos Santo Agostinho: “Vós dizeis: os tempos são difíceis, os tempos são duros, os tempos abundam em misérias. Vivei bem e mudareis os tempos com a vossa vida boa; mudareis os tempos e não tereis do que murmurar.” (Sermão 311,8) 

Juventudes e caminhos

Tendo em nossos corações agostinianos: a realidade juvenil com os seus medos, solidão, cansaço, impotência, tristeza e pessimismo; os desafios-luzes do documento “O Tempo da Esperança”; e a provocação de Santo Agostinho que nos encoraja a mudar os tempos; a pergunta que grita no silêncio da noite da pandemia é: onde está Deus?

Nossa ação evangelizadora precisa lançar luzes e energias para alimentar a teimosa esperança que nos move e nos mantêm firmes no esperançar-agostinianizar de uma aurora que virá. Como podemos manter viva a chama da esperança em cada ser juvenil? Quais os caminhos que vislumbramos para as juventudes? Por onde e para onde iremos? Por quais metodologias e pedagogias nossa evangelização precisará trilhar?

Hildete Emanuele Nogueira de Souza
Licenciada em Letras Vernáculas
Especialista em adolescências e juventudes no mundo contemporâneo
Agente Pastoral do Colégio Santo Agostinho de Nova Lima


- Referências:

[1]
BRASIL. Estatuto da Juventude. LEI Nº 12.852, DE 5 DE AGOSTO DE 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm>. Acesso em: 19 nov. 2020.

[2]
IPEA. Atlas da Violência 2020. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020>. Acesso em: 19 nov. 2020.

[3]
NOVAES, Regina. Juventude e sociedade: jogos de espelhos. Revista Sociologia Especial. 2007.

[4]
FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Juventude e Pandemia: análise da pesquisa 2020. Disponível em: <https://fpabramo.org.br/2020/07/14/juventude-e-pandemia-analise-da-pesquisa/>. Acesso em: 19 nov. 2020.

[5]
INSTITUTO DE ESPIRITUALIDADE AGOSTINIANA. O Tempo da Esperança: elementos para a renovação da vida religiosa agostiniana após o coronavírus. Roma: ISA, 2020. Disponível em:<https://www.agostinianos.org.br/Cms_Data/Contents/ConteudoVicariato/Media/ComunicacaoNoticias/2-O-TEMPO-DA-ESPERANCA.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2020.

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